O mundo das licitações públicas no Brasil é vasto, e com ele surgem diversas normas, regulamentações e práticas que muitas vezes acabam confundindo mais do que esclarecendo.
O processo de qualificação, seja ela técnica ou econômico-financeira, é crucial para garantir que as empresas que se candidatam a prestar serviços ao poder público tenham a competência e a solidez necessárias.
No entanto, nem sempre as exigências estabelecidas seguem um padrão claro e justificável, levando à ocorrência de situações que podemos categorizar como “absurdas”. Este texto mergulhará nas peculiaridades e desafios dessa área, abordando tópicos previamente discutidos em nosso blog e aprofundando a discussão sobre os descompassos encontrados na qualificação econômico-financeira em editais de licitação.
Seja você um profissional da área ou apenas alguém interessado em entender esse universo, convidamos a seguir conosco nesta análise detalhada.
Guia rápido
O que são exigências absurdas na qualificação técnica?
Já se falou muito sobre a Exigências Absurdas na Qualificação Técnica nas Licitações Públicas na Internet Brasileira, inclusive este Blog já publicou os seguintes artigos, sobre o assunto:
- Qualificação Técnica: Comentários – Incisos I e II Caput – Art. 30 – LEI 8666/93
- Qualificação Técnica: Qualidade Superior ao Objeto Licitado é Legal?
- Exigências Absurdas na Qualificação Técnica em Pregões
- Exigência de Licença de Operações – Pregão Eletrônico
- É Válido Atestado de Capacidade Técnica Similar?
Porém quando se fala de Qualificação Econômico-Financeira, apesar de haver muitos artigos na internet, a quantidade é bastante inferior se compararmos com a “Qualificação Técnica”, este Blog também já publicou alguns artigos sobre esse assunto, como por exemplo:
- Exigência de Notas Explicativas no Balanço Patrimonial
- Balanço Patrimonial – Prazo de Entrega
- Exigência do Balanço Patrimonial em Licitações Públicas para ME/EPP
Neste Post vamos focar nas Exigências Absurdas de Qualificação Econômico-Financeira de alguns editais, como por exemplo exigência cumulativa do Capital Social, Patrimônio Líquido, Caução (Garantia de Contrato), Caução (Garantia de Proposta) entre outros.
É bom Enfatizar que a garantia de Proposta é vedada para o Pregão, conforme Decreto 3.555/2000 que Regulamenta a Lei 10.520/2002.
Decreto 3.555/00
Art. 15. É vedada a exigência de:
I – garantia de proposta
II – […]
III – […]
Para iniciarmos vamos ver o que diz a Lei 8666/93, denominada de Lei das Licitações, mas precisamente o Art. 31
Art. 31. A documentação relativa à qualificação econômico-financeira limitar-se-á a:
I – […];
II – […];
III – garantia, nas mesmas modalidades e critérios previstos no “caput” e § 1º do art. 56 desta Lei, limitada a 1% (um por cento) do valor estimado do objeto da contratação.
§ 1º A exigência de índices limitar-se-á à demonstração da capacidade financeira do licitante com vistas aos compromissos que terá que assumir caso lhe seja adjudicado o contrato, vedada a exigência de valores mínimos de faturamento anterior, índices de rentabilidade ou lucratividade. (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)
§ 2º A Administração, nas compras para entrega futura e na execução de obras e serviços, poderá estabelecer, no instrumento convocatório da licitação, a exigência de capital mínimo ou de patrimônio líquido mínimo, ou ainda as garantias previstas no § 1º do art. 56 desta Lei, (grifo nosso) como dado objetivo de comprovação da qualificação econômico-financeira dos licitantes e para efeito de garantia ao adimplemento do contrato a ser ulteriormente celebrado.
§ 3º O capital mínimo ou o valor do patrimônio líquido a que se refere o parágrafo anterior não poderá exceder a 10% (dez por cento) do valor estimado da contratação, (grifo nosso) devendo a comprovação ser feita relativamente à data da apresentação da proposta, na forma da lei, admitida a atualização para esta data através de índices oficiais.
§ 4º […];
§ 5º A comprovação de boa situação financeira da empresa será feita de forma objetiva, através do cálculo de índices contábeis previstos no edital e devidamente justificados no processo administrativo da licitação que tenha dado início ao certame licitatório, vedada a exigência de índices e valores não usualmente adotados para correta avaliação de situação financeira suficiente ao cumprimento das obrigações decorrentes da licitação. (grifo nosso) (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)
§ 6º (Vetado). (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)
Este Artigo faz menção ao §1º do Art. 56 dessa mesma lei, no tocante à garantia de Contrato, vejamos:
Art. 56. A critério da autoridade competente, em cada caso, e desde que prevista no instrumento convocatório, poderá ser exigida prestação de garantia nas contratações de obras, serviços e compras.
§ 1º Caberá ao contratado optar por uma das seguintes modalidades de garantia: (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)
I – caução em dinheiro ou em títulos da dívida pública, devendo estes ter sido emitidos sob a forma escritural, mediante registro em sistema centralizado de liquidação e de custódia autorizado pelo Banco Central do Brasil e avaliados pelos seus valores econômicos, conforme definido pelo Ministério da Fazenda; (Redação dada pela Lei nº 11.079, de 2004)
II – seguro-garantia; (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)
III – fiança bancária. (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 8.6.94)
§ 2º A garantia a que se refere o caput deste artigo não excederá a cinco por cento do valor do contrato (grifo nosso) e terá seu valor atualizado nas mesmas condições daquele, ressalvado o previsto no parágrafo 3º deste artigo. (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994).
§ 3º […].
§ 4º […].
§ 5º […].
A Lei 8666/93 não deixa duvidas sobre esse assunto, porém no dia-a-dia das Licitações acontecem muitas exigências que não tem respaldo algum na legislação vigente.
Na prática, porém muitas licitações, inclusive Pregões Presenciais ou Eletrônicos, alguns editais estão exigindo de forma cumulativa Capital Social ou Patrimônio Líquido + Garantia, prática essa combatida pelo TCU.
Existem várias jurisprudências consolidada do Tribunal de Contas da União, a exemplo dos Acórdãos 1622/2010, 1265/2009, 170/2007, 701/2007 e 2338/2006, todos do Plenário. Diante de farta jurisprudência em sentido único, em 30/5/2012, este Tribunal editou a Súmula 275, com fundamento no art. 31, § 2º, da Lei de Licitações e Contratos, aplicável ao caso concreto por força do art. 14 da Lei 12.462/2011, conforme a seguir transcrito:
Sumula 275 – TCU
“Para fins de qualificação econômico-financeira, a Administração pode exigir das licitantes, de forma não cumulativa (grifo nosso), capital social mínimo, patrimônio líquido mínimo ou garantias que assegurem o adimplemento do contrato a ser celebrado, no caso de compras para entrega futura e de execução de obras e serviços.”
Além dessas exigências alguns editais estão inovando e exigindo que os índices (§1º, Art. 31 da Lei 8666/93) sejam superiores a 2, alguns chegando até 2,5, quando o normal é de exigir maior ou igual a 1.
Sobre os índices, vejamos o que diz a Jurisprudência do TCU:
Acórdão 247/2003 – Plenário
“São a Liquidez Geral (LG) e a Liquidez Corrente (LC) os índices utilizados pelo subitem 6.3 do edital (fl. 22) para a comprovação da boa situação financeira da proponente. Quanto maiores esses índices, melhor. Um índice de LG menor do que 1 demonstra que a empresa não tem recursos suficientes para pagar as suas dívidas, devendo gerá-los. Já um índice de LC menor do que 1 exprime que a empresa não possui folga financeira a curto prazo. Se os dois índices forem maiores do que 1, a empresa estará financeiramente saudável”.
Com esses índices, a administração procura avaliar se a licitante possui as condições financeiras necessárias ao cumprimento das obrigações, assegurando o sucesso da contratação. Embora a lei permita, a (…) não cumulou na licitação a exigência de garantias representadas por índices contábeis e capital mínimo, pois se os primeiros fossem aceitáveis, o segundo seria dispensável.
“Nesse sentido, qualquer empresa de pequeno ou grande porte poderia participar da concorrência, independentemente de capital ou de patrimônio líquido mínimo, desde que tivesse os seus índices contábeis nos valores normalmente adotados para comprovar uma boa situação financeira”.
E Ainda sobre este assunto, podemos dizer que a jurisprudência sobre o tema é pacífica e condenam quocientes de 1,5 para cima, a exemplo do decidido nos autos dos TCs 514/003/96, 517/003/96, 37211/026/96, 13571/026/98, 21649/026/98, 13677/026/98, dentre outros. (TCE-SP. TC 031546/026/99, rel. Cons. EDGARD CAMARGO RODRIGUES, julg. 138.2002, publ. DOE 27.8.2002).
Vejamos também o seguinte Acórdão do Tribunal de Contas da União – TCU:
Acórdão 326/2010 – Plenário
“Abstenha-se de exigir índices financeiros e contábeis não usualmente adotados para a correta avaliação da situação financeira suficiente ao cumprimento das obrigações decorrentes da licitação, conforme vedação contida no § 5º do art. 31 da Lei 8.666/93”.
Voltando o assunto da “Garantia”, existe uma diferença entre as Garantias em que refere-se à lei 8.666/93.
A Garantia do Inciso III do Art. 31, refere-se à Garantia de Proposta e a Garantia a que refere-se o §2º do Art. 56 é relativo à Garantia Contratual, ou seja, é apresentado durante a assinatura do contrato.
Exigências absurdas: Considerações Finais
As Exigências permitidas na Qualificação Econômico-Financeira, não poderão extrapolar o que diz o Art. 31, exceto no que refere-se à Garantia de Proposta (Inciso III, Art. 31) que é vedada para a Modalidade de Pregão, ou seja, além do Balanço Patrimonial e Demonstrações Financeiras, Certidão Negativa de Falência e Recuperação de Crédito, só se pode exigir o Capital Social Mínimo ou Patrimônio Líquido Mínimo (ambos no máximo 10% do valor estimado) ou Índices Contábeis maior ou igual a 1 (? = 1), excepcionalmente podendo chegar até “1,5” conforme Jurisprudência do TCU, desde que seja devidamente fundamentado no Processo Licitatório.
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