IMPASSE NA JUSTIÇA PARALISA AÇÕES SOBRE TERCEIRIZAÇÃO NO SETOR PÚBLICO

Revisado em 11 de abril de 2020

Artigo publicado no Jornal Extra Alagoas de 27/03/2012 por Mariana Oliveira e Rosanne D’Agostino / Do G1, em Brasília e em São Paulo. 

Supremo deve decidir se órgão público deve arcar com direito trabalhista. TST suspendeu julgamentos; caso está com ministra do STF Rosa Weber.

 Um impasse que já dura mais de um ano entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior do Trabalho (TST) levou à paralisação, no começo de março, de milhares de processos trabalhistas que tratam da “responsabilidade solidária” da administração pública em relação aos direitos de funcionários de empresas terceirizadas. Por esse critério, se a empresa privada não pagar seu empregado, o órgão público que a contratou é o responsável.

Só no TST, tramitam 10 mil processos sobre o tema. Todos estão com o julgamento suspenso. Segundo magistrados, milhares de ações em andamento nos demais tribunais trabalhistas também foram prejudicados.

O imbróglio – entenda no quadro abaixo – começou no fim de 2010, quando o Supremo questionou a aplicação de uma súmula do TST que estabelecia a responsabilidade solidária do poder público nos casos de terceirização. Desde então, o TST alterou o texto da súmula, mas ministros do Supremo continuaram a questionar seu teor. As súmulas do TST abordam detalhamento de direitos trabalhistas que não estão previstos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Elas não são vinculantes, ou seja, a aplicação não é obrigatória para outras instâncias da justiça trabalhista. No entanto, as súmulas servem de base para a decisão dos magistrados trabalhistas em todo o país.

A TERCEIRIZAÇÃO NO SETOR PÚBLICO

1988
O artigo 37 da Constituição Federal autoriza contratação pelo setor público de trabalhadores  sem concurso público desde que constatada a “necessidade temporária de excepcional interesse público”.

1993
A Lei de Licitações autoriza a contração pelo setor público de empresas privadas para prestação de serviços e diz que, no caso de inadimplência, a administração pública não é responsável pelo pagamento dos encargos trabalhistas da empresa contratada. No mesmo ano, TST edita a súmula 331 que autoriza a terceirização para “atividades- meio”. Exemplo: a contratação por uma estatal de energia de empresas privadas para prestação de serviços de limpeza e de vigilância.

1997
Decreto estabelece que a terceirização na administração pública direta (ministérios) é permitida em serviços como conservação, limpeza, segurança e vigilância. Diz que a administração pública deve acompanhar os contratos, mas não define responsabilidade em caso de inadimplência.

2000
TST altera súmula 331 para estabelecer que a administração pública tem “responsabilidade subsidiária” (é co-responsável) no caso de a empresa terceirizada não pagar os direitos de seus trabalhadores.

2010
Em fevereiro, Supremo reconhece “repercussão geral” em relação à responsabilidade subsidiária no setor público. Isso significa que, quando o assunto for julgado pelo STF – o que ainda não aconteceu -, a decisão valerá para todos os processos na Justiça sobre o tema.  Em novembro, o plenário do STF decide que o TST não pode aplicar a responsabilidade subsidiária a todos os processos e que a análise deve ser caso a caso. O argumento é o de que a súmula 331 fere o previsto na Lei de Licitações. Desde então, ministros do Supremo passam a dar decisões contrárias à súmula do TST.

2011
TST altera de novo, em maio, a súmula 331 para se adequar à decisão do Supremo e diz que somente há responsabilidade subsidiária da administração pública quando houver falta de fiscalização no contrato com a terceirizada. Em setembro,  a ministra do STF Cármen Lúcia afirma que o TST descumpriu decisão da Suprema Corte porque somente alterou a súmula, sem julgar caso a caso, conforme o STF havia determinado. Em dezembro, o recurso que definirá rumo dos processos trabalhistas sobre o tema passa para a relatoria da ministra Rosa Weber, em razão da aposentadoria de Ellen Gracie. O processo está parado desde então.

2012
Em 8 de março, o TST decide suspender o andamento de todos os processos sobre responsabilidade subsidiária de ente público até que o Supremo analise o caso.

Fonte: Constituição, Lei 8.666/93, Anamatra, TST e STF

Suspensão
Para evitar que, devido ao impasse, o Supremo anulasse decisões tomadas, o TST determinou, no último dia 8, a suspensão da análise de todos os recursos sobre terceirização no setor público até uma palavra final do STF sobre o tema.

A decisão do Supremo está nas mãos da ministra Rosa Weber, a mais nova no tribunal e oriunda da área trabalhista – ela foi ministra do TST antes de ser nomeada pela presidente Dilma Rousseff para o Supremo.

Não há previsão para que a ministra decida sobre o caso. O resultado valerá para todos os recursos que chegarem ao Supremo sobre o assunto e definirá a diretriz que o TST dará para todos os processos sobre o tema na Justiça do trabalho.

A Advocacia-Geral da União (AGU), autora do recurso no Supremo, argumenta que a Lei de Licitações proíbe que a administração pública seja condenada nesses casos.

Para o diretor de Assuntos Legislativos da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Germano Siqueira, a aplicação da súmula 331 deve ser preservada.

“Não colocar o dedo na ferida […] é prolongar um regime de derivação, de uma outra face da impunidade, que responde por essa relação promíscua que passa pelas licitações de serviços e agora se pretende colocar a conta do prejuízo na mão do mais fraco”, diz o magistrado, referindo-se ao trabalhador terceirizado.

Ele afirma, porém, que o fato de o caso estar com a ministra Rosa Weber é um alento para quem defende a “celeridade” da análise do processo por conta da “afinidade que tem a relatora com o tema”.

A Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) diz que, em algumas varas, processos sobre terceirização representam até 70% da atuação do magistrado responsável. Ele é a favor da continuidade da responsabilidade solidária.

“Ninguém advoga que o dinheiro público deva ser usado de maneira inadequada. Mas nesse caso a administração pública deve responder, sim, de forma solidária. O que se vê hoje é que as empresas privadas, sabendo que podem vir a comparecer para pagar os direitos trabalhistas, têm tomado cautela ao contratar empresas terceirizadas. Ao passo que o setor público não está fazendo o dever de casa.”

A juíza Erotilde Ribeiro dos Santos Minharro, do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo (TRT-SP), afirma que a paralisação dos processos é uma medida de “cautela”.

“É melhor parar tudo, esperar o julgamento desse recurso, para saber efetivamente qual vai ser o entendimento e depois julgar. […] Se eu julgar contrariamente ao STF, vai atrasar mais ainda. Se eu teimar, vai ser tudo anulado para que se julgue conforme o Supremo. Haveria maior desgaste e uma expectativa da parte que vai ser frustrada. É uma questão de cautela”, diz a juíza.

A magistrada afirma que, caso o Supremo derrube a responsabilidade solidária, pode haver um prejuízo grande para o trabalhador. “Isso é preocupante porque a maior parte das relações trabalhistas acaba na terceirização e ela está no dia a dia. Em boa parte dos processos, não haverá ninguém para pagar.”

Se eu julgar contrariamente ao STF, vai atrasar mais ainda. Se eu teimar, vai ser tudo anulado para que se julgue conforme o Supremo. Haveria maior desgaste, gasto das partes e criaria uma expectativa na parte que vai ser frustrada. É uma questão de cautela”

Juíza do Trabalho Erotilde Ribeiro dos Santos Minharro, explicando o motivo de ter paralisado a análise de processos sobre o tema

Congresso
Especialista em direito trabalhista do Instituto de Advogados de São Paulo (Iasp), João Armando Moretto Amarante defende uma nova lei sobre terceirização, embora critique a demora dos parlamentares em analisar projetos sobre direitos do trabalhador.

“Deveria existir uma lei. A súmula não tem força de lei, mas os tribunais estão tendo um papel muito importante até por conta da inércia do Congresso. O que o STF vai fazer é uma interpretação razoável da lei, porque a jurisprudência é clara. Se depender do Congresso Nacional, a situação não vai ser resolvida.”

Na Câmara, está em discussão “adiantada” uma nova legislação sobre o trabalho terceirizado, segundo parlamentares ouvidos pelo G1.

O projeto de lei 4330/2004, de autoria do deputado Sandro Mabel (PMDB-GO), foi discutido durante todo o ano passado em uma comissão especial formada por deputados – inclusive com representantes das centrais sindicais e dos sindicatos patronais.

Em novembro, um parecer foi aprovado na comissão especial, e o projeto agora tramita em caráter conclusivo (sem necessidade de passar em plenário) na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa. Se aprovado, será encaminhado diretamente para o Senado e depois vai à sanção presidencial.

O projeto cria a figura da empresa especializada, proibindo prestação de serviços por parte de empresas que realizam serviços de áreas distintas.

O ponto polêmico é o que abre possibilidade para contratação de terceirizados em quaisquer áreas das empresas, e não mais somente da “atividade meio” como acontece atualmente. Por exemplo, uma empresa de engenharia não pode contratar um engenheiro terceirizado, mas o serviço de limpeza pode ser feito por um prestador de serviço.

O projeto foi votado na comissão especial em um entendimento, em consenso entre as centrais e o setor patronal. Agora, essa decisão do Supremo sobre a terceirização vai forçar que a CCJ acelere a votação.”

Sebastião Bala Rocha, presidente da Comissão de Trabalho da Câmara, sobre projeto de lei em discussão sobre terceirização

De acordo com o deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), o Paulinho da Força, que partipou das negociações a respeito do projeto, há maioria para aprovação do projeto como está, mas ainda há discussão com parte do movimento sindical que rejeita a proposta. Dirigente da Força Sindical, ele se diz favorável à proposta.

Presidente da Comissão de Trabalho e de Administração e Serviço Público da Câmara, o deputado Sebastião Bala Rocha (PDT-AP) afirma crer na aprovação dessa regulamentação do trabalho terceirizado, considerado “interessante” por ele.

“O projeto foi votado na comissão especial em um entendimento, em consenso entre as centrais e o setor patronal. Agora, essa decisão do Supremo sobre a terceirização vai forçar que a CCJ acelere a votação”, afirmou.

As associações de magistrados rejeitam o projeto de autoria de Sandro Mabel. Para as entidades, a proposta pode levar à “precarização ainda maior” do trabalho terceirizado.

 

Marcos Antonio Silva

Marcos Antonio Silva

Graduado em Química Industrial, Pós-Graduado em Gestão Empresarial, Pós-Graduando em Licitações e Contratos Administrativos, Consultor na área de Licitações e Contratos desde 2010, Participando de Licitações Públicas desde 1988.

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